*Matéria publicada no jornal Tribuna do Norte, na edição do último domingo, dia 27 de dezembro de 2020. Disponível em: http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/projeto-lais-ultrapassa-a-marca-de-100-softwares-produzidos/499022
No início do mês de dezembro, o Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde – LAIS/UFRN – alcançou a marca de 103 softwares desenvolvidos e em funcionamento. Todo o trabalho é fruto da equipe de pesquisadores que tem como objetivo o atendimento de demandas reais do Sistema Único de Saúde – SUS – visando a resolução de problemas já existentes. Alguns desses softwares foram criados no momento atual, para o melhor enfrentamento da pandemia, trazendo transparência, informação e agilidade para os gestores públicos e para a população.
Confira a entrevista do coordenador do LAIS, professor Ricardo Valentim:
Como se dá o processo de elaboração dos softwares no LAIS?
Os softwares desenvolvidos no LAIS partem de uma metodologia conhecida no mundo acadêmico como “Pesquisa-ação”. São softwares desenvolvidos sempre a partir de uma demanda real, concreta, onde essas experiências, a partir dessa demanda, provoca todo o aprendizado, a melhoria dos processos de trabalho e também o desenvolvimento da própria pesquisa. São softwares que vêm para atender demandas reais, demandadas do Sistema Único de Saúde, tanto na atenção primária, secundária ou terciária, na alta complexidade. Os softwares sempre são desenvolvidos olhando para esses problemas, muitos são organizados por nossos alunos de iniciação científica, coordenados sempre pelos nossos alunos de mestrado, de doutorado e por outros pesquisadores que têm interesse na temática daquele software.
Como são formadas as equipes responsáveis por esse trabalho?
As equipes são formadas sempre com foco na tríade universitária, ensino, pesquisa, extensão, e com olhar muito forte para a inovação. Nós trabalhamos com pesquisa, desenvolvimento e inovação no LAIS e esses times de desenvolvimento seguem a metodologia scrum, que é uma metodologia de desenvolvimento ágil, alinhado a um modelo de pesquisa-ação. Por isso nós temos sempre alunos de graduação, de mestrado, de doutorado. Os projetos sempre tem gerentes e líderes de pesquisa que já são seniors na área de pesquisa. São eles os responsáveis pela demanda, sempre interagindo com todos os stakeholders, ou seja, aquelas pessoas que precisam que os problemas sejam resolvidos por meio da mediação tecnológica. O resultado desse trabalho é a formação, contínua, de técnicos especialistas naquela área, alunos de graduação e pós-graduação em nível de mestrado e doutorado, e também de especialização, nós temos, dentro do LAIS hoje, implantado uma residência de software na área de saúde que atua na parte de inteligência artificial, desenvolvimento de dispositivos biomédicos, e desenvolvimento de software para a saúde. Assim, as equipes são compostas por esses grupos, sempre coordenados por um pesquisador sênior do LAIS. E esses alunos de graduação e pós-graduação, esses técnicos especialistas e esses pesquisadores seniors, são de diversas áreas do conhecimento, não somente da área de tecnologia da informação e comunicação, eles são da área da saúde, das engenharias e das humanas.
Essas demandas são espontâneas – resultado da observação dos pesquisadores – ou algum órgão solicita?
Nós aprendemos no LAIS que não precisamos inventar problemas. Na área de saúde do Brasil já existem muitos problemas. Nós desenvolvemos essa competência de cooperação técnica, e dentro da cooperação técnica, as demandas vêm de vários níveis do Ministério da Saúde, desde a área da educação e saúde, da área da ciência e da inovação e da pesquisa em saúde, na área da atenção primária à saúde. Essas áreas são as que mais demandam para o LAIS, mas também temos uma grande interação com o governo do estado do Rio Grande do Norte e com o município. Um exemplo é a criação do “Salus” (Sistema de vigilância epidemiológica que realiza o processamento e a curadoria dos dados da base do e-SUS), com a criação do “RegulaRN” (sistema de regulação de leitos na rede pública estadual) e da plataforma “Coronavírus RN” (sistema de informação que agrega diversos dados de várias fontes de informação oficiais do governo do estado e também do governo federal). Praticamente, as demandas que vem para o LAIS são para resolução de problemas no âmbito do Sistema Único de Saúde do Brasil, do Estado e do município, ou seja, nós atuamos na esfera tripartite do SUS. É daí que vem as demandas para resolver problemas, muitas delas mediadas por tecnologia, mas também pela mudança cultural e dos processos de trabalho. O LAIS não desenvolve somente uma tecnologia e entrega essa tecnologia para o usuário. Nós transferimos conhecimento, nós formamos pessoas em todas as áreas que envolvem a tecnologia e a saúde.
Como esse trabalho realizado pelo LAIS se transforma em benefício para a sociedade?
O trabalho desenvolvido pelo laboratório beneficia a sociedade em várias dimensões, mas existem duas primárias, que são a saúde e a educação, dentro de uma visão transdisciplinar, dentro de uma visão de formação e desenvolvimento de tecnologia de uma perspectiva humanitária. O maior benefício é desenvolver algo que se transforma em novos processos de trabalho para a sociedade. Um exemplo é o “Regula RN”. O Rio Grande do Norte, hoje, tem uma das melhores redes assistenciais para enfrentamento a covid-19 do país. E isso foi devido a criação de uma rede assistencial integrada, respeitando a regulação plena dos municípios, que só pode ocorrer devido a transparência dada pela mediação tecnológica e a promoção da equidade e da justiça social, do controle social. O “Regula RN” é essa plataforma de regulação de leitos clínicos e críticos para enfrentamento da covid-19, que foi colocado em funcionamento. Essa plataforma dá o benefício social de permitir que qualquer usuário do SUS tenha acesso a um leito de UTI ou clínico caso venha precisar, de maneira equânime, ou seja, todos tendo o mesmo direito de forma transparente. Assim, a organização do sistema de saúde no estado do Rio Grande do Norte tem mostrado, na rede assistencial, um nível muito grande de resiliência e responsividade. Isso ocorre porque o LAIS não entregou simplesmente um software, um aplicativo ou uma tecnologia. O LAIS transferiu o conhecimento, aperfeiçoou o processo de trabalho e articulou uma estrutura de cooperação técnico-científica com diversas entidades da sociedade, como Governo do estado, governos principais, prestadores de serviço, central de regulação do RN, central de regulação de Mossoró, central de regulação do Rio Grande do Norte, central de regulação de Mossoró, central de regulação de Natal e Ministérios Públicos do estado e federal. Foi muito mais do que simplesmente entregar uma tecnologia, foi um processo todo de mudança de trabalho e de transferência de conhecimento. Nesse meio, centenas de pessoas foram formadas e preparadas para organizar o sistema de saúde da maneira mais eficiente. O Estado do Rio Grande do Norte não teve colapso do sistema de saúde devido a essa intervenção, que mudou a forma de resposta, dando ao estado dois conceitos fortes, que são resiliência e responsividade. Ou seja, a capacidade de resposta frente a covid-19 nas redes assistenciais e a adaptação ao novo contexto, assim garantindo atenção a todos os cidadãos norte-rio-grandenses.
Essas ferramentas estão à disposição da população? De que forma elas podem ser acessadas?
As ferramentas e os softwares registrados pelo LAIS sempre estão à disposição da população, do usuário do sistema de saúde, e podem ser acessados através da página do laboratório ou em algum serviço de saúde. Muitas dessas plataformas estão sendo utilizadas na ponta pelo usuário do sistema de saúde, por um profissional de saúde, por um estudante da área de saúde, por um estudante da área de tecnologia, muitas delas a população, algumas vezes, nem sabe que foi feita pelo Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde. Um exemplo é o AVASUS. São mais de 200 de cursos para mais de 900 mil usuários no país todo. Muitos desses cursos que estão chegando na ponta, na formação do estabelecimento de saúde, para aquela vacina que o usuário vai tomar, para aquele treinamento, para melhorar a qualidade do pré-natal para mulheres. Na época da zika, na época da chikungunya, no enfrentamento à sífilis, no enfrentamento ao HIV no posto de saúde, aquele atendimento que o profissional de saúde está realizando em um paciente na hora que ele busca o serviço de saúde. A qualificação dessa oferta chega para o paciente de maneira até indireta, por meio de um melhor atendimento. E o LAIS está presente nisso sim. Nem sempre é somente por uma tecnologia concreta, palpável. Muitas vezes é por meio da melhoria do serviço e da oferta, na criação de um serviço novo de saúde que não existia, que passou a existir quando esse profissional de saúde se qualificou no ambiente virtual de aprendizagem e criou esse novo serviço no seu estabelecimento, colocando disponível para a população. O benefício é muito amplo, e muitas vezes é até difícil mensurar o impacto disso. Todos esses benefícios são amplos, abrangentes e transversais. Nós temos, inclusive, pesquisas de doutorado que mostram o quanto essas formações têm ajudado. Uma outra é o PMAQ, que é um projeto onde foram avaliados todos os estabelecimentos de saúde em todos os municípios do Brasil, e eles receberam, pelo menos uma vez, uma tecnologia desenvolvida pelo LAIS. Quando avaliamos a qualidade do serviço de saúde e permitimos que outros pesquisadores possam acessar esses dados e envolver análises, isso também é um benefício no âmbito do planejamento, que a sociedade toda passa a ter benefício e transparência dessas informações.