Por Valéria Credido e Kaline Sampaio – Assessoria de Comunicação do LAIS (ASCOM/LAIS)
Há pouco mais de dois anos, Mianmar, antiga Birmânia, enfrenta uma grave crise humanitária que impede, inclusive, que estudantes frequentem as universidades. De acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU), o país asiático já contabiliza cerca de três mil mortos e restrições aos direitos básicos da população, como saúde e educação.
Os esforços para minimizar a situação vêm de todo o mundo. Dentre eles, a elaboração de um curso para estudantes de Medicina birmaneses que tiveram os estudos interrompidos. O curso, que será ofertado no Ambiente Virtual de Aprendizagem do Sistema Único de Saúde (AVASUS), é fruto de uma cooperação técnico-científica entre o Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde (LAIS/UFRN), a Universidade de Parma, na Itália, e a Rede Unida do Brasil.
A experiência de elaboração de todo o material didático foi um dos temas discutidos durante o 15º Workshop Internacional “Dispositivos operacionais para assistência territorial baseada na proximidade e no trabalho em equipe multiprofissional”, promovido pelo Laboratório Ítalo-Brasileiro de Formação, Pesquisa e Práticas em Saúde Coletiva na região Emília-Romanha italiana. Entre os participantes, as pesquisadoras do LAIS doutora Aline Pinho e a doutoranda Kaline Sampaio, responsáveis por relatar os trabalhos desenvolvidos no Rio Grande do Norte no Brasil.
Para desenvolver o curso para os estudantes birmaneses, chamado “Emergency Care Medicine”, de 60 horas, o ponto de partida foi o módulo “Suporte Básico de Vida”, que já conta com mais de 50 mil alunos matriculados no AVASUS. Além disso, o grupo de pesquisadores italianos, brasileiros e birmaneses procurou entender o contexto e quais eram as necessidades do público-alvo. “Por meio de estudos bibliográficos e de um questionário online aplicado junto aos estudantes, obtivemos um perfil com informações básicas e também quais eram os assuntos que eles desejavam se aprofundar”, afirmou Clelia D’Apice, doutoranda da Universidade de Parma e uma das organizadoras do curso. Assim, foram acrescentados, de maneira coletiva, conteúdos como emergência pediátrica e assistência psicológica a vítimas de traumas ao material original. “Uma grande razão de satisfação para mim em organizar esse curso é a maneira absolutamente democrática da produção da informação”, relatou o doutor Leopoldo Sarli, professor de Medicina da Universidade de Parma.
A experiência internacional exitosa do LAIS em casos como a construção da trilha formativa para o sistema prisional (ver abaixo) e o curso para agentes voluntários de saúde da Tanzânia (veja mais em Olhares: Educação em Saúde para transformar o futuro) fez com que o laboratório fosse procurado pela Rede Unida e pela Universidade de Parma para viabilizar a continuidade dos estudos de acadêmicos de Medicina em Mianmar. “Com estratégias de Educação e Comunicação adequadas a cada contexto, conseguimos produzir Recursos Educacionais Abertos (REAs) que colaboram com a formação humana em saúde e também posicionam o LAIS como um importante ator no enfrentamento de questões de saúde global”, explicou a pesquisadora do LAIS, Kaline Sampaio. O curso Emergency Care Medicine estará disponível no AVASUS no próximo mês de abril, em inglês, de forma aberta.
Experiência com o sistema prisional em foco
Outra experiência convidada a ser relatada durante o evento pelas pesquisadoras brasileiras diz respeito ao trabalho com o sistema prisional, fruto da pesquisa de doutorado “Um olhar além do concreto: formação humana mediada por tecnologia para a saúde no sistema prisional”, de autoria da pesquisadora Janaína Rodrigues, cujo doutorado foi realizado na Universidade de Coimbra em Portugal. Com arcabouço teórico e prático, o trabalho construiu no AVASUS uma trilha formativa direcionada para questões de saúde e sociais, considerando a tríade policial penal, privado de liberdade e profissional de saúde. Ao todo, já se matricularam mais de 50 mil pessoas na trilha, muitas delas privadas de liberdade, número que chamou a atenção dos presentes, neste evento realizado na Itália.
De acordo com Aline Pinho, a reação do público ressalta a importância de se discutir educação em saúde em contextos de crise humanitária e vulnerabilidade social. “Falamos da relevância da educação como forma de promover a democracia. Os resultados da pesquisa surpreenderam estudantes e professores de vários lugares do mundo, que demonstraram interesse em obter mais informações sobre o trabalho desenvolvido no sistema prisional, o que aponta para futuras parcerias nesta área”, ressaltou a pesquisadora.
A fala de Aline Pinho – e do LAIS – corrobora com a afirmação da ex-senadora italiana Albertina Soliani, que compareceu ao evento e, na fala de abertura, lembrou a todos que “A chave para fortalecer a democracia é o direito à educação”.