Adele Benzaken, médica sanitarista especialista em doenças sexualmente transmissíveis, fala sobre a doença que avança no país
Dedicada há mais de 30 anos ao combate do HIV/Aids, hepatites virais e infecções sexualmente transmissíveis (IST), Adele Benzaken é médica sanitarista. Ela é uma das principais autoridades em IST e HIV/aids no mundo. Em entrevista ao Metrópoles, a doutora em Saúde Pública fala sobre a epidemia de sífilis, as peculiaridades da enfermidade e o que o governo está fazendo para conter o avanço da doença no país.
O que é a sífilis, infecção que atinge mais de cem mil brasileiros por ano? Quais são seus sintomas? Como podem ser feitas a prevenção, o diagnóstico e o tratamento da doença?
A sífilis é uma Infecção Sexualmente Transmissível (IST) curável causada pela bactéria Treponema pallidum. Pode apresentar várias manifestações clínicas e diferentes estágios (sífilis primária, secundária, latente e terciária).
Nos estágios primário e secundário, a probabilidade de transmissão é maior. A sífilis pode ser transmitida por relação sexual sem camisinha com uma pessoa infectada, ou, principalmente, durante a gestação para a criança (transmissão vertical), quando a gestante não é diagnosticada e tratada.
Quando a sífilis é detectada na gestante, o tratamento deve ser iniciado o mais rápido possível, com penicilina benzatina. Esse é o único medicamento capaz de prevenir a transmissão vertical. A(s) parceria(s) sexual(is) também deverá(ão) ser testada(s) e tratada(s) para evitar a reinfecção das gestantes. Considera-se tratamento adequado da gestante, o tratamento completo para estágio clínico com penicilina benzatina, e iniciado até 30 dias antes do parto.
Em outubro de 2016, o Ministério da Saúde fez o alerta e decretou a epidemia. Qual o atual cenário da enfermidade no país?
Segundo dados do Boletim Epidemiológico da Sífilis 2018, houve aumento na taxa de detecção da sífilis adquirida, que passou de 44,1/100 mil habitantes em 2016, para 58,1 casos para cada 100 mil habitantes em 2017.
Vale ressaltar, entretanto, que esse aumento de 32% na taxa de detecção de 2016 para 2017 ainda pode significar aumento das notificações, uma vez que a notificação da sífilis adquirida se tornou compulsória somente no ano de 2010.
Também houve aumento na detecção da sífilis em gestante, que cresceu de 38.144 casos (10,8 casos por mil nascidos vivos) em 2016 para 49.013 casos (17,2 casos a cada mil nascidos vivos) em 2017. Também houve aumento na incidência de sífilis congênita em menores de um ano, que passou de 21.183 casos (7,4 casos por mil nascidos vivos) em 2016, para 24.666 em 2017 (8,6 casos por mil nascidos vivos).
Registramos aumento na detecção da sífilis em gestante, que cresceu de 38.144 casos (13,3 casos por mil nascidos vivos) em 2016 para 49.013 casos (17,2 casos a cada mil nascidos vivos) em 2017. E aumento na incidência de sífilis congênita em menores de um ano, que passou de 21.183 casos (7,4 casos por mil nascidos vivos) em 2016, para 24.666 em 2017 (8,6 casos por mil nascidos vivos).
Além disso, houve aumento do número de óbitos por sífilis congênita, que passou de 195 casos (6,8 óbitos por 100.000 nascidos vivos) em 2016 para 206 casos (7,2 óbitos por 100.000 nascidos vivos) em 2017.
Mais informações podem ser encontradas nos seguintes endereços eletrônicos: portalarquivos.saude.gov.br/campanhas/sifilis , www.aids.gov.br/pt-br/pub/2018/boletim-epidemiologico-de-sifilis-2018, www.sifilisnao.com.br e www.aids.gov.br/pt-br/gestores/painel-de-indicadores-epidemiologicos
Qual a melhor forma de se prevenir a sífilis congênita?
A realização de pré-natal de qualidade (que inclui o teste de sífilis no primeiro e no último trimestre da gestação e no momento do parto); o estabelecimento do tratamento adequado da gestante, caso o resultado do teste for positivo para a sífilis, com acompanhamento clínico e laboratorial. É crucial também fazer o pré-natal do parceiro, para testagem e tratamento da sífilis para evitar a reinfecção da gestante.
Conforme avaliação de cada caso, crianças com sífilis congênita precisarão coletar amostras de sangue, fazer avaliação neurológica (incluindo punção lombar), raio-X de ossos longos, avaliação oftalmológica e audiológica. Muitas vezes há a necessidade de internação hospitalar por dez dias para medicação intravenosa e até mesmo referenciamento para serviço especializado.
A criança exposta à sífilis pode não ter sido diagnosticada com sífilis congênita no nascimento, mas pode apresentar sinais e sintomas ao longo do seu desenvolvimento.
O que é a sífilis ocular no Brasil e como ela impacta a visão da pessoa infectada?
A sífilis ocular consiste em um dos problemas relacionados à neurossífilis. Pode ocorrer em qualquer estágio clínico da sífilis e pode envolver qualquer estrutura ocular. Sinais e sintomas como redução da visão, pontos flutuantes, dor, vermelhidão na conjuntiva e sensibilidades à luz são os mais comuns. Frequentemente, a sífilis ocular está relacionada à meningite sifilítica. Portanto, a investigação com punção lombar é sempre recomendada.
Como as pessoas com sífilis devem ser tratadas?
A penicilina benzatina é a única opção segura e eficaz para o tratamento da sífilis em gestantes. Qualquer outro tratamento realizado durante a gestação é considerado tratamento não adequado da mãe e a criança será notificada como sífilis congênita e submetida à avaliação clínica e laboratorial. O tratamento alternativo da sífilis adquirida é a doxiciclina, via oral. No entanto, esse medicamento é contraindicado para gestantes.
A sífilis apresenta alguma resistência aos remédios? Como o governo vem investindo em frentes contra a doença?
A bactéria Treponema pallidum, causadora da sífilis, não apresenta resistência à penicilina. O tratamento é o mesmo desde do início da era dos antibióticos. Algumas pessoas podem ter alergia a penicilina, mas, mesmo nesses casos, o tratamento é seguro. Sobre as reações adversas, é importante esclarecer que as reações mais graves são muito raras (0,002% dos casos). O receio não deve ser um impeditivo para a administração de penicilina na prevenção da sífilis congênita.
A sífilis tem cura. A assistência é gratuita e assegurada no Sistema Único de Saúde (SUS). Desde 2017, o Ministério da Saúde passou a se responsabilizar pela compra centralizada e distribuição para estados e DF. No ano passado, foram destinados R$ 13,5 milhões para a aquisição de 2,5 milhões de ampolas de penicilina benzatina para tratamento de sífilis adquirida e sífilis em gestantes (bem como parcerias sexuais). Além disso, com esse recurso, foram adquiridas 450 mil ampolas da penicilina cristalina para tratamento de crianças com sífilis congênita. A quantidade garante o abastecimento da rede pública até 2019.
Fonte: Revista Metrópoles