Por Jordana Vieira e Valéria Credidio / Assessoria de Comunicação do LAIS/UFRN

“O sistema prisional no Brasil é cruel, feito para pretos, pobres e população inviabilizada e não reeduca ninguém”. A fala foi feita pela defensora pública no Rio Grande do Norte, Ana Lúcia Raymundo, na abertura do Seminário de Humanização do Sistema Prisional, ocorrido em Natal, durante toda a última terça-feira (22). O evento contou com representantes do Ministério da Saúde, de articulações da sociedade civil, policiais penais, profissionais da saúde e da educação, além de familiares de pessoas privadas de liberdade.

Com uma população carcerária de mais de 780 mil pessoas, o Brasil fica atrás somente dos Estados Unidos e da China nesse ranking. Mesmo com números tão relevantes, as políticas públicas direcionadas para os cuidados com a saúde. Entre outros problemas, as pessoas encarceradas enfrentam problemas como tuberculose, doenças dermatológicas, HIV/AIDS e, principalmente, problemas mentais.

Ainda na mesa de abertura, Eduardo Luis Barbosa, representante do Grupo pela Vidda São Paulo e o Movimento Paulistano de Luta Contra a AIDS – MOPAIDS, destaca a necessidade de existir um maior acolhimento no setor de saúde dentro do sistema prisional, “as pessoas precisam ter acesso ao seu diagnóstico e a um tratamento que não as exponha. No sistema prisional, ainda tem muita mistura dessas pessoas com todas as infecções e comorbidades, e isso acaba sendo um agravante no momento em que essa pessoa é colocada numa cela junto com outras. Então, para tratar IST, tuberculose, HIV, é mais do que necessário que se tenha uma estrutura dentro do próprio sistema prisional de acolhimento no setor de saúde”, ressalta.

Entre os palestrantes do seminário, estava Ana Karolina dos Anjos Morais, assessora técnica da Coordenação de Acesso e Equidade, do Ministério da Saúde, que apresentou os dados sobre as enfermidades mais comuns e o trabalho que é realizado, em parceria com os estados e municípios onde os presídios estão localizados. De acordo com a assessora, oportunidades como o Seminário são fundamentais para fortalecer as políticas públicas e adequá-las à real necessidade da sociedade. “Esse seminário é uma excelente oportunidade para escutar as necessidades e colocar em prática transformações necessárias”, enfatizou.

Ainda na parte da manhã, outros representantes do Ministério da Saúde falaram sobre a atenção primária e o cuidado integral e como esse cuidado pode ser realizado dentro dos presídios, garantindo a universalidade, integralidade e equidade do atendimento.  

A assessora Técnica no Gabinete do Departamento de Estratégias e Políticas de Saúde Comunitária (DESCO/SAPS/MS), Eline Mendonça, abordou os 10 anos da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP), uma política de saúde pública do Brasil que visa garantir o direito à saúde e promover a saúde integral da população carcerária. 

Para finalizar a programação no turno matutino, Caroline Busatto, Consultora Técnica da Coordenação-Geral de Vigilância da Tuberculose, Micoses e Endêmicas e Microbactérias não-Tuberculosas do Ministério da Saúde, abordou, em sua palestra, a atual situação da AIDS/HIV/Tuberculose/hepatites virais em em prol do atendimento às pessoas privadas de liberdade do RN.

Durante o turno vespertino, os participantes foram distribuídos em grupos de trabalho, direcionados para os temas de saúde, direitos humanos e “privados de liberdade e não de direitos”.

A ouvidora Geral da Secretaria de Segurança Pública e da Defesa Social (SESED) do Rio Grande do Norte, Julimar da Silva Gonçalves, orientou o grupo dos Direitos Humanos e de Saúde, e destacou a importância de se pensar em estratégias de saúde única para tratar com as pessoas privadas de liberdade, “e quando a gente fala em adoecimento mental, estamos falando sobre uma história da sociedade brasileira que precisa ser revista. Os egressos do sistema prisional saem para essa sociedade, que é punitivista, então é um tema muito complexo que exige uma perspectiva de saúde única efetivamente”, destaca. 

O coordenador do evento e representante da Articulação AIDS RN, Sérgio Cabral, aponta que o evento marca um avanço no debate sobre a humanização do sistema prisional no Rio Grande do Norte, “cumprimos nossa missão porque tivemos a participação da sociedade civil, dos familiares, dos profissionais de saúde que atuam dentro do sistema prisional no RN e dos movimentos sociais. Mais um ano a gente realiza um evento com a temática da saúde prisional no RN, já que precisamos de novos atores no enfrentamento do HIV/AIDS, tuberculose, hepatites virais dentro desse sistema que é tão fragilizado”, finaliza.

Trilha formativa
A primeira atividade do Seminário foi a apresentação da trilha formativa sobre Saúde no Sistema Prisional, de autoria da pesquisadora Janaína Rodrigues, do Núcleo Avançado de Inovação Tecnológica (NAVI/IFRN) e do Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde (LAIS/UFRN). A trilha é fruto de seu trabalho de doutorado, defendido na Universidade de Coimbra, e é formada por módulos direcionados aos profissionais de saúde, pessoas privadas de liberdade e policiais penais. 

A trilha está disponível no Ambiente Virtual de Aprendizagem do SUS (AVASUS) e contabiliza mais de 60 mil pessoas matriculadas. De acordo com Janaína Rodrigues, cada um dos módulos foi organizado garantindo a melhor metodologia para cada segmento. “Para os apenados, o módulo é feito todo com vídeos, pois sabemos que o índice de analfabetismo nesta população é significativo”, argumenta a pesquisadora.

Uma das palestrantes e representantes do Ministério da Saúde no evento, Caroline Busatto, relatou que já teve contato com a Trilha Formativa, “eu acho de extrema importância, a comunicação é o ponto chave, então eu acho que esses projetos de comunicação em saúde, que leva informação para as pessoas é extremamente relevante. Dentro do sistema prisional nós temos uma rotatividade muito grande de profissionais tanto de saúde quanto de segurança, então, havendo essa educação permanente em saúde a gente capacita essas pessoas ao longo do tempo e consegue uma redução significativa na incidência das doenças”, destaca. 

Apesar de ser utilizada massivamente, a Trilha Formativa está em constante atualização. O próximo passo será a elaboração dos módulos direcionados para as pessoas da comunidade LGBTQIAP+ que estão privadas de liberdade. “Vamos expandir e ampliar a trilha para atender ao máximo de pessoas”, esclarece Janaína Rodrigues.