Por Valéria Credidio
A renda é fator determinante na mortalidade por Covid-19. Os dados analisados para a cidade de Natal mostram que as consequências desta epidemia são severas para todos, no entanto, seus efeitos são devastadores para as populações vulneráveis de baixa renda. O grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e da Universidade Federal do Ceará (UFC) analisou os dados epidemiológicos e a letalidade da doença baseado em dados de geoprocessamento dos casos e óbitos. Os mapas apresentados pelos cientistas apontam o panorama das disparidades de desfecho da doença na região metropolitana.
As taxas de mortalidade (a chance de alguém com a infecção morrer por causa do coronavírus) na cidade de Natal dependem fortemente da localidade. Da mesma forma, a transmissibilidade – conhecida entre os pesquisadores como R(t) – da doença e os calculados com modelo epidemiológico MOISAIC, também está associada à localidade. De acordo com o levantamento, a taxa na zona Norte de Natal é de 4,49% e na zona Oeste é de 4,18%, já na zona Sul é de 1,47% e na zona Leste de 2,97%. “Ou seja, se dividirmos Natal em duas grandes regiões Norte-Oeste e Sul-Leste, teremos duas populações que diferem muito em renda média, condições socioeconômicas e nas taxas de mortalidade por Covid-19”, explicou um dos pesquisadores a frente do trabalho, professor José Dias do Nascimento, do Departamento de Física da UFRN.
Vale ressaltar que, de acordo com dados do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na capital potiguar a região Norte-Oeste tem renda média de R$ 470,00 e a região Sul-Leste apresenta renda média de R$ 1603,00.
“A Covid-19 é uma lupa de aumento dos problemas socioeconômicos estabelecidos ao longo dos anos. O Brasil sofrerá particularmente se a Covid-19 não for controlada a tempo. A pandemia poderá se transformar de forma muito rápida em uma crise humanitária com forte viés socioeconômico”, argumentou o professor da UFRN.
Ele ainda reforça que o estudo desenvolvido aponta para a necessidade primordial de utilização de diferentes cuidados e desenvolvimento de políticas focadas em populações vulneráveis para que se tenha efeitos estabilizadores na sociedade como um todo.
É justamente esse ponto que a pesquisa demonstra, quando aponta que as zonas Norte e Oeste apresentam taxas de mortalidade duas vezes maior do que do restante de Natal. A explicação, de acordo com o pesquisador, está na junção de vários fatores econômicos e, principalmente, sociais. “A contaminação é grande em todas as classes sociais, porém os desfavorecidos têm, estatisticamente, desfechos fatais”, enfatizou.
De acordo com a pesquisa, fortes evidências apontam na direção de uma série de vulnerabilidades subjacentes que contribuem para a morte por infecção e com causas ligadas, principalmente à desigualdade de renda e outras formas de disparidades. “Vulnerabilidade é algo bem largo e matematizar isso é um desafio. Porém, a renda está na base do problema”, explicou professor José Dias. Ele ainda ressaltou que há outros fatores importantes, como proteção social, saneamento, densidade domiciliar, acesso a alimentos, nutrição balanceada para crianças pequenas, mulheres grávidas e que amamentam, idosos, grupos de risco, além de acesso a visita médica regular que identifique doenças críticas.
O IDH (índice de desenvolvimento humano) da região também é mais baixo, o que representa piores condições de vida para a população.
A análise ainda levou em conta dados geoprocessados, que demonstraram que o isolamento social tem grande correlação com as diferentes populações. “Pessoas de baixa renda precisam sair de casa. Ou seja, nosso estudo também é um guia para que a gestão pública entenda que não se pode segurar ninguém em casa sem dar condições. É um problema dinâmico”, finalizou.
Pesquisadores José Dias do Nascimento (Física – UFRN); César Renno-Costa (IMD-UFRN); Leandro Almeida (Física – UFRN); Renan Cipriano Moioli (IMD – UFRN), José Soares (Física – UFC), Humberto Carmona (Física – UFC), Wladimir Lyra (NM, USA), Colaboradores: Ricardo Valentim (LAIS-UFRN), Ion Andrade (LAIS-UFRN).