Por Valéria Credidio – Assessoria de Comunicação do LAIS/UFRN (ASCOM/LAIS)

O Brasil tem, atualmente, 1,7 milhão de indígenas, de acordo com o Censo de 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No Rio Grande do Norte, essa população ultrapassa as 11 mil pessoas, distribuídas em 21 comunidades indígenas e quatro povos ou etnias. Um dos principais problemas enfrentados pela população dos povos originários é o acesso à saúde e a profissionais que entendam as suas peculiaridades. A mudança dessa realidade passa pela construção de políticas públicas direcionadas à educação em saúde indígena.

Esse foi o tema do I Seminário de Educação em Saúde Indígena, ocorrido na manhã da sexta-feira (24), no auditório da Secretaria de Educação a Distância (SEDIS/UFRN), reunindo representantes da Justiça Federal, do Ministério da Saúde, das secretarias de saúde municipais e estadual e dos indígenas. A articulação foi feita por meio de uma parceria entre o Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde (LAIS/UFRN) e o Centro Judiciário de Solução Consensual de Conflitos e Cidadania da Justiça Federal do RN, com apoio da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), da Secretaria de Estado da Saúde Pública (Sesap/RN) e do Ministério da Saúde.

Em uma ação concreta, o LAIS está produzindo uma trilha formativa, direcionada a estudantes e profissionais da área da saúde indígena. A trilha formativa estará disponível no Ambiente Virtual de Aprendizagem do SUS (AVASUS), desenvolvido pelo LAIS e que está entre as três maiores plataformas educacionais do mundo, com mais de um milhão de cursistas matriculados.

O próprio Ministério da Saúde solicitou a produção de uma trilha formativa direcionada à educação para a saúde indígena. A trilha está sendo elaborada por especialistas em produção de recursos educacionais abertos, pensando nas especificidades da população indígena. A trilha deverá ser composta por textos, animação, ilustração, entrevistas e vídeos, contando com a participação das comunidades. Todo o trabalho vem sendo coordenado pela professora e pesquisadora do LAIS, Aline Pinho. Para ela o mais importante é alcançar um maior número de pessoas que não tinham a oportunidade de pensar sobre a temática. “É uma possibilidade de formar profissionais para atuar na saúde indígena, levando em conta a especificidade da população”, enfatizou.

Ao todo, serão sete módulos abordando temas importantes para a formação como: Estratégia de Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância (AIDPI); Interculturalidade na atenção à saúde dos povos indígenas; Vigilância do Óbito (VO) no contexto da Saúde Indígena; Atenção Diferenciada aos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (PIIRC); Infecção Latente pelo Mycobacterium tuberculosis (ILTB) em comunidades Indígenas; Saúde da Mulher Indígena e Atenção psicossocial aos povos indígenas. Cada um desses módulos terá duração de 30 horas.

A produção da trilha faz parte de uma pauta estratégica do Governo Federal para a equidade do Sistema Único de Saúde. “Uma atenção primária que seja inclusiva para todos os indígenas, inclusive para os não aldeados. Integrados na saúde da família para uma população que não pode mais ser invisibilizada”, explicou Marcos Pedrosa, assessor institucional da Secretaria de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde (SAPS/MS), que participou do evento virtualmente.

Ação civil pública

Apesar de ser uma encomenda feita pelo próprio Ministério da Saúde, a trilha formativa vem dar suporte a diversas ações que estão sendo desenvolvidas pela Justiça Federal no Rio Grande do Norte, diante de uma ação civil pública, do Ministério Público Federal, que reconhece a insuficiência da assistência à saúde prestada às Comunidades Indígenas no estado.

A ação civil pública determina a adoção de medidas para restabelecimento da prestação de serviços de saúde às comunidades indígenas do RN no âmbito do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS), colocando em prática as ações e serviços de saúde pública adaptados à realidade e às especificidades culturais dos povos originários para a efetiva implementação do direito à saúde à população indígena, bem como a realização de ações educacionais para aperfeiçoamento dos profissionais de saúde que prestam assistência aos povos indígenas no território potiguar.

A ação se encontra no Centro Judiciário de Solução Consensual de Conflitos e Cidadania da Justiça Federal do RN, que vem articulando as lideranças indígenas e a FUNAI, entre outros órgãos públicos, para encontrar soluções. O Centro é coordenado pela juíza federal Gisele Leite que vê na trilha formativa a possibilidade de uma formação mais ampla e continuada, não apenas para os profissionais da saúde, mas para todas as pessoas interessadas. “Existe muito para caminhar e vamos trabalhar, sempre, para efetivação dos direitos indígenas no Rio Grande do Norte”, ressaltou a magistrada.

A articulação com o LAIS vem fortalecer as ações e a construção de uma política pública de formação continuada para todos. De acordo com Ricardo Valentim, diretor executivo do Laboratório, as cooperações interinstitucionais são importantes no desenho de políticas públicas e no encontro de soluções. “Sempre que esses atores se uniram em torno de um problema na saúde pública, o resultado foi muito positivo”, afirmou.

Representações

O Seminário contou com diversos representantes de órgãos públicos federais, estaduais e municipais, além de professores e pesquisadores da UFRN, como a professora Raquel Silveira que coordena o Projeto Construindo Soluções Colaborativas para Questões Públicas Judicializadas. Entre as autoridades, estiveram presentes a secretária estadual de Saúde, Lyane Ramalho, o superintendente do Ministério da Saúde no RN, Jalmir Simões, Dailva Bezerra, vice-presidente do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do Rio Grande do Norte (Cosems/RN), a procuradora da República, Clarisier Azevedo Cavalcante de Morais, do MPF/RN, e Marcos Antônio da Silva Costa, procurador regional da República, da Procuradoria da República da 5ª Região, em Recife/PE, e integrante do Grupo de Trabalho de Saúde Indígena da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão, que acompanhou em modo remoto as discussões.

As atenções de todos estavam voltadas para a presença de diversas lideranças indígenas do estado, como o cacique Luiz Katu, que vem denunciando o desmatamento ilegal no território indígena, na região dos municípios de Goianinha/RN e Canguaretama/RN. De acordo com ele, ações contra a natureza, as áreas de proteção ambiental, atingem a saúde dos povos originários. Katu elogiou a iniciativa de se discutir a educação em saúde indígena: “querem nos separar em aldeias para nos dividir, mas é importante ter espaços como esse para sermos ouvidos”.

Essa formação multicultural do evento proporcionou discussões importantes, reforçando pontos relevantes para a construção de políticas públicas. Eduardo Dezidério Chaves, indigenista e chefe da coordenação técnica da FUNAI/RN, lembrou que, até bem pouco tempo, a população indígena do Rio Grande do Norte não era reconhecida, “essa invisibilidade dificultava qualquer ação efetiva para atendimento das necessidades existentes”, recordou.

A necessidade de diálogo é reconhecida por todos. Giovana Mandulão, coordenadora geral de Gestão do Conhecimento, da Informação, da Avaliação e do Monitoramento da Secretaria de Saúde Indígena do Ministério da Saúde (SESAI/MS), relatou a sua própria experiência, enquanto líder indígena. “A construção de uma política pública precisa ser dialogada e ouvir os povos indígenas. Eu nunca fui ouvida como representante e, hoje, estou na SESAI, abrindo esse diálogo, avaliando metodologias e ouvindo as comunidades. Vamos construir juntos”, concluiu.

O mesmo apelo por diálogo foi feito por Dioclécio Bezerra, cacique da comunidade indígena Santa Terezinha do Território Mendonça. “Precisamos e queremos uma saúde de qualidade. Não queremos ser somente ouvidos. Queremos participar. Nunca mais um país sem nós”, finalizou.

Confira mais registros fotográficos do evento: