Por Thays Teixeira
Físicos de diversos países e especialmente os vinculados a Sociedade Brasileira de Física (SBF) contestam os dados apresentados pelo Laboratório de Inovação de Dados da Universidade de Singapura, na Ásia, que afirma que a pandemia chegará ao fim no Brasil no início de julho. Os pesquisadores afirmam que esse tipo de modelo preditivo é equivocado porque não considera as complexidades da Covid-19 e nem as particularidades do comportamento da doença em nosso país.
O físico e professor do Departamento de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, José Dias do Nascimento, que possui modelo matemático que analisa o comportamento da pandemia no Brasil explica que esse tipo de predição possui sérios problemas do ponto de vista matemático e físico, e que por isso devem ser descartados quanto se analisa um cenário tão complexo e variado como o brasileiro.
“Esses modelos são um desserviço porque possuem problemas de hipótese, e segundo, tem problemas de dados. Os modelos SIR (sensíveis, S; infectado, I; e removido, R) como eles fazem, não tem compartimento E, que no modelo que propomos diz respeito aos Expostos. A Covid-19 tem uma particularidade que são os assintomáticos e eles mudam o tempo da história epidêmica”, explica o professor da UFRN.
Na estimativa feita em Singapura com dados pregressos de pessoas suscetíveis, infectadas e recuperadas (removidas) de Covid-19 — modelo conhecido na linguagem científica como SIR, conforme citou o professor — a situação brasileira estaria com índices e picos menores. No entanto, o fato de não considerarem os expostos, a ações de mitigação (isolamento por exemplo), número de leitos, as lógicas do sistema de saúde fazem com que esses dados contemplem de forma equivocada a realidade do Brasil, levando a sérios problemas de interpretação e de medidas tomadas por gestores.
Dessa forma, o modelo apresentado por Singapura resulta em uma simplificação gigantesca sobre a realidade brasileira e ocasiona em um desserviço para as medidas tomadas no combate à doença. “Isso implica em problema gigantesco, porque se usado de forma errônea por políticos que querem defender a volta econômica, que usam esses modelos que dão um resultado ruim ou fora da realidade para justificar uma volta mais cedo como está acontecendo em algumas cidades de São Paulo, eles acabam gerando um problema ainda maior”, pontua José Dias.
O pesquisador explica que combater esses dados equivocados ou mal elaborados é uma função da ciência e dos comitês científicos de modo geral.
No caso desse modelo alguns pesquisadores do Brasil, Irã, Índia, Alemanha, China entre outros países elaboraram uma argumentação contra mostrando que a curva de transmissão não estava correta. Os pesquisadores criaram uma reunião virtual com o intuito de mostrar aos prefeitos que essas pesquisas não eram sérias e não possuíam o poder de previsão que demonstravam. O professor José Dias faz parte dessa equipe que questiona a validade dos dados desse modelo preditivo simplificado.
Dados não podem ser validados
Em nota, os pesquisadores expõem porque o modelo preditivo singapuriano é um erro quando tratamos do modelo e da realidade percebida no Brasil. No texto, pesquisadores de referência no país e no mundo indicam esses equívocos e o perigo deles.
“As previsões do laboratório de Singapura seguem um modelo de difusão da epidemia denominado SIR (Suscetível-Infectado-Removido). Esse modelo adota algumas simplificações, por exemplo, o modelo não considera dados demográficos, efeitos de medidas de isolamento e características do sistema de saúde. Mesmo supondo que o modelo SIR seja adequado, o método de ajuste ignora problemas com os dados”, afirma a nota apresentada pelos grupos de pesquisa Ação Interdisciplinar COVID-19 e COVID-19 BRASIL.
“As previsões são oferecidas sem nenhuma estimativa de incerteza, induzindo uma falsa impressão de precisão. A difusão da epidemia segue uma curva exponencial em seu estágio inicial. Nos países, como o Brasil, em que o número de casos ainda cresce aceleradamente, apenas os dados desse estágio inicial estão disponíveis para estimação. Qualquer erro de medição presente nos dados é amplificado diversas vezes pela característica da curva exponencial. Logo, previsões utilizando o modelo SIR nesse estágio apresentam baixa confiabilidade”, diz ainda a nota assinada pelos pesquisadores.
Por essas razões José Dias e demais pesquisadores questionam a veracidade dos dados, além de relembrar que o artigo apresentado é uma página muito leve de argumentação teórica que não foi publicado em revistas ou lugares de força científica que pudessem validar esses números ou passar por avaliação de pares.
“Um modelo para regiões como Brasil e especificamente o Rio Grande do Norte necessita de uma análise estatística muito bem cuidada, porque o país possui vários ‘brasis’ e cada local possui particularidades que implicam pesos distintos e que fazem a diferença na validação e veracidade dos dados observados”, explica o físico, acrescentando que é preciso muito cuidados com as hipóteses quando observamos um modelo ou simulação, especialmente aquelas que consideram quadros epidêmicos.
Os resultados apresentados pelo modelo do pesquisador da UFRN não corroboram com os resultados apontados pelo Laboratório de Singapura e detalham de forma mais profunda a realidade dos dados brasileiros sobre a pandemia do Coronavírus.
Preocupação com a sociedade é constante
Para entender melhor essa dinâmica e as premissas básicas dos modelos desenvolvidos por esses grupos, além de conhecer ações já implementadas em outros países, o Instituto Internacional de Física (IIP, na sigla em inglês) (www.iip.ufrn.br) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte realizou nos dias 14 e 15 de abril um seminário virtual que discutiu a disseminação de Covid-19 e apontou possíveis políticas públicas que podem ser de grande importância para o Brasil.
Segundo a entidade e seus membros a ambiguidade de discursos sobre a severidade da epidemia ou, pior ainda, a sua negação, comprometem as necessárias medidas de isolamento e sua eficácia. O que revela o grave problema que é fundamentar ações públicas considerando dados equivocados e até mesmo errados, que não possuem validade científica.