Por Jordana Vieira – Assessoria de Comunicação do LAIS/UFRN (ASCOM/LAIS)

Para discutir o fenômeno do “apagão das canetas”, na visão dos gestores públicos, a professora e pesquisadora de Administração Pública e Governo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Gabriela Lotta, apresentou os resultados de sua pesquisa sobre o tema, durante o turno vespertino da programação do Seminário “A Judicialização no Brasil: Os Seus Impactos na Democracia”, promovido pelo Laboratório de Inovação em Saúde (LAIS/UFRN).

A metáfora se refere à interrupção da implementação das políticas públicas, por receio de gestores públicos, ou pessoas que tomam decisões dentro da judicialização pública, precisarem responder por decisões no âmbito administrativo e judicial e, consequentemente, deixarem de executar projetos previamente planejados. Ou seja, ao não desejarem ser responsabilizados pelas decisões, por medo de um sistema de controle, os servidores “largam a caneta”. Esse fenômeno influencia em uma decisão engessada e altamente conservadora na resolução de problemas, e pode acarretar em um adoecimento mental desses gestores.

Em sua fala, Lotta, apresentou os dados preocupantes coletados em sua pesquisa realizada no fim do ano de 2023, com o objetivo de analisar o efeito do “apagão das canetas” nos profissionais do poder executivo com foco na saúde. Os resultados das entrevistas realizadas com servidores do poder executivo do Brasil inteiro, apontam que a maioria desses gestores enxergam a relação com o controle, em geral, é baseada em uma lógica punitivista, em que apesar de não concordarem com as recomendações feitas, eles as executam corretamente. Ou seja, a relação dos servidores com os órgãos de controle é muito mais negativa do que positiva.

Sobre os efeitos do “apagão das canetas” no bem-estar, foi observado uma relação direta com algum nível de burnout, que se refere à síndrome do esgotamento profissional, caracterizada por um estado de exaustão física, emocional e mental causado por estresse crônico no ambiente de trabalho. Os gestores que se sentem preocupados com os órgãos de controle também têm mais altos níveis de burnout, e isso está diretamente associado a uma diminuição na motivação pro trabalho e da intenção de deixar o cargo ou o serviço público. 

A professora ainda destaca que ao deixar os atores do poder executivo de mãos atadas, a capacidade da administração pública de inovar e de gerar processos que tenham impacto social e de melhorar políticas públicas também é afetada negativamente. “Então, é importante pensar como a gente garante um sistema de controle com a robustez necessária para a democracia que garanta transparência, mas que não cause uma paralisia e não gere um grande sufocamento do próprio poder executivo, que é quem vai entregar política pública”, finaliza. 

Mesa temática continuou a discussão
Após a palestra, foi realizado um debate sobre “Apagão das canetas: o controle na perspectiva dos gestores da saúde”, mediado pelo diretor executivo do LAIS/UFRN, Ricardo Valentim, com a presença dos especialistas Igor Francisco Silva Montteiro, secretário executivo de Regulação e Gestão da Secretária de Saúde do Estado de Alagoas, Dárcio Guedes Junior, diretor-executivo do Fundo Nacional de Saúde (FNS), e Oswaldo José Barbosa da Silva, subprocurador-geral da República do Ministério Público Federal (MPF).

No debate, eles compartilharam suas perspectivas sobre os obstáculos e soluções possíveis para a melhoria do serviço público no país, levando em consideração os limites da judicialização. Na visão do secretário executivo de Regulação e Gestão da Sesau/AL, ao “entender a perspectiva do dia a dia, a gente entende como  judicialização nos abre portas, mas também diz muitos ‘não”, afirmou, se referindo às diferentes camadas enfrentadas no cotidiano da saúde pública. 

Para o diretor do FNS, o desafio da judicialização deve ser discutido de forma mais ampla, a fim de que seja possível enfrentar as dificuldades apresentadas pelo sistema e, assim, executar um bom trabalho para o cidadão, tornando o sistema mais equânime. “Ser gestor é ser um resolvedor de problemas”, ressaltou Dárcio Guedes Junior.

Já o subprocurador-geral da República do MPF, fez uma análise histórica do serviço público brasileiro, abordando o fenômeno do “apagão das canetas”. Ele explicou que, historicamente, o poder executivo foi hipertrofiando e perdendo autonomia. “Nosso país e nosso sistema são um reflexo do nosso povo; quando passarmos a abraçar a regra e não a exceção, vamos confiar mais nos nossos funcionários públicos”, destacou Oswaldo Barbosa.

Finalizando o debate, o mediador Ricardo Valentim enfatizou a importância de racionalizar esses processos. Na sua visão, o controle exercido pelos órgãos públicos deve ser um instrumento para avançar nas resoluções e não um fator de paralisação. “Esse controle deve ser usado para avançar e não para impedir soluções”, explicou.