Por Thays Teixeira, em matéria especial para o LAIS/UFRN
Foto: Reprodução/TV Globo
Estudiosos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) questionam modo como dados epidemiológicos são apresentados por pelo consórcio de veículos de comunicação (G1, O Globo, Extra, Estadão, Folha e UOL) a respeito dos óbitos da covid-19.
Partindo do exemplo do Rio Grande do Norte, os pesquisadores Ângelo Roncalli e Juciano Lacerda explicam que a Secretaria Estadual da Saúde (Sesap/RN) e o Consórcio utilizam perspectivas diferentes para analisar os dados e avaliar a dinâmica da doença no estado. Segundo eles, a maneira como o consórcio trata os dados está equivocada e gera implicações importantes para o modo como a pandemia está sendo enfrentada no Brasil.
Roncalli e Lacerda explicam que a divergência acontece porque o consórcio de veículos de comunicação aplica uma metodologia (considera a data de notificação) de análise que não corresponde com padrões coerentes para analisar óbitos em doenças infectocontagiosas como é o caso da covid-19, ou seja, o fluxo da informação da vigilância epidemiológica. A Sesap/RN utiliza a data de ocorrência.
Como não dá para saber a data exata em que o indivíduo foi infectado, a data dos primeiros sintomas passa a ser melhor medida para avaliar a tendência da epidemia, principalmente para detectar se está havendo crescimento ou redução no número de casos diários.
Os pesquisadores partem de um exemplo para validar o argumento de incongruência que é observado na análise feita pelo consórcio de meios de comunicação. Ambos consideram os dados publicados pela Secretaria Estadual de Saúde do RN.
“Se considerarmos o critério de estabilização, aumento ou declínio baseado na tendência dos 14 dias anteriores (parâmetro usado pelo consórcio que é questionado pelos estudiosos), houve um aumento de 21 óbitos em 24 de julho para 29 óbitos em 06 de agosto. Isso corresponde a um aumento de 45%, estando, portanto, acima de 15%, o ponto de corte para se considerar que as mortes “estão subindo” segundo o consórcio. Contudo, se pegarmos este mesmo período por data de ocorrência, há declínio de 20 óbitos por dia para 7”, explicam os pesquisadores em artigo científico publicado pelo “preprint” da plataforma SciElo, que está em avaliação no periódico e-Compós, revista científica da Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação em Comunicação.
De acordo com o Portal G1, o consórcio de imprensa utiliza alguns critérios para indicar se os óbitos por covid-19 estão aumentando, diminuindo ou estáveis, que seriam a média móvel: média de casos ou mortes dos últimos 7 dias; a variação: mudança da média móvel nos últimos 14 dias e a estabilidade: variações de até 15%, para mais ou para menos.
Roncalli e Lacerda explicam que essas variações de 15% não têm fundamento científico e que nenhuma entidade que usa recursos estatísticos justifica esse percentual como elemento plausível de análise. O que reforça o argumento dos pesquisadores em perceber divergência de argumentos discursivos para afirmar que está aumentando ou diminuindo o número de mortes no Rio Grande do Norte. Destacam ainda que esse mesmo equívoco pode estar acontecendo em outros estados.
Dados usados pelo consórcio são verdadeiros
É importante ressaltar que o Consórcio usa dados verdadeiros e que os números referentes utilizados pelos meios de comunicação correspondem aos apresentados pela Sesap/RN, mas que a perspectiva de análise para classificar crescimento ou não de óbitos é que está equivocada, segundo os pesquisadores.
Roncalli e Lacerda argumentam que essa variância de interpretação acontece justamente porque o tratamento da pandemia no país não possui uma centralidade e que o Ministério da Saúde trabalha sem apresentar claramente os dados, limitando a transparência de informações sobre essa questão sanitária. O que resulta em implicações perigosas para que a população tenha acesso a informação com mais segurança possível.
“É fato que a produção noticiosa da cobertura nacional da covid-19 consolidou o tema na agenda pública brasileira e internacional. Todavia, rever a forma de divulgação dos dados de tendência da covid-19 pelo consórcio de veículos de comunicação fortaleceria a imagem da notícia produzida como uma representação social da realidade fato que teria maior efeito contra a infodemia e evidenciaria às contradições das ações do governo federal”, dizem os autores.
O texto do artigo científico que questiona o modelo de apresentação dos dados pode ser acessado em:
https://preprints.scielo.org/index.php/scielo/preprint/view/1141/1712