Por Valéria Credidio – Assessoria de Comunicação do LAIS (ASCOM/LAIS)
Uma patente internacional que pode representar uma economia de mais de R$ 850 milhões para os cofres públicos em poucos anos, caso o Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil decida incorporá-la. Trata-se da patente do multiteste, equipamento que com a mesma coleta de sangue consegue verificar se o paciente está infectado com HIV e sífilis, um dos resultados preliminares do Projeto “Sífilis Não”, realizado em uma parceria entre o Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde (LAIS/UFRN), Ministério da Saúde do Brasil e Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS).
Essa patente, resultante das cooperações internacionais desenvolvidas ao longo do projeto, contou também com a participação de pesquisadores dos Estados Unidos e de Portugal. Atualmente, os testes rápidos adquiridos no Brasil são importados, e não conseguem resolver de forma plena as questões relacionadas à testagem, pois são descartáveis e não vinculam o teste ao prontuário eletrônico dos pacientes de forma automatizada – o que resulta, muitas vezes, na necessidade de outros testes complementares. Isso é bem diferente do multiteste desenvolvido pelos pesquisadores do LAIS/UFRN no Projeto “Sífilis Não”, que, além de mais barato, é também uma solução de saúde digital point of care, ou seja, está disponível de forma digital no ponto de cuidado e pode evitar que outros testes mais caros sejam realizados para fechar o diagnóstico.
O teste para sífilis já obteve uma primeira publicação científica, o artigo intitulado Development of a Cyclic Voltammetry-Based Method for the Detection of Antigens and Antibodies as a Novel Strategy for Syphilis Diagnosis (“Desenvolvimento de um método baseado em voltametria cíclica para a detecção de antígenos e anticorpos como uma nova estratégia para o diagnóstico de sífilis”), publicado na International Journal of Environmental Research and Public Health. A publicação foi importante, pois demonstrou que o trabalho de pesquisa aplicada passou por uma rigorosa avaliação por pares, requisito importante para o grupo de cientistas envolvidos e um passo necessário antes da incorporação no Sistema Único de Saúde (SUS).
Além da patente internacional, o “Sífilis Não” tem outros resultados bastante significativos, como 12 registros de softwares, cooperações internacionais com 36 instituições internacionais, trilha educacional para profissionais em saúde e para pessoas interessadas no enfrentamento a Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) e campanhas massivas de comunicação com cobertura nacional direcionadas à conscientização e cuidados para o enfrentamento à sífilis.
Esses resultados foram tema de reuniões ocorridas entre a equipe do LAIS e da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente (SVSA), do Ministério da Saúde. Pela SVSA, participaram a diretora de Programas, Angélica Espinosa Miranda, e o coordenador geral de IST, HIV/Aids e Hepatites Virais, Draurio Barreira, além de membros da equipe técnica da área finalística que acompanham o projeto.
Plataforma Salus de monitoramento com integração da Vigilância com a Atenção à Saúde
Outro resultado que deixou a equipe da SVSA bastante satisfeita foi a apresentação do Salus, uma plataforma, também criada pelos pesquisadores do LAIS, que faz controle, integração, monitoramento e dá transparência para ações de Atenção Básica e Vigilância em Saúde. O Salus já está em funcionamento em 15 estados brasileiros, atendendo a mais de 1.400 municípios, impactando mais de 64 milhões de pessoas.
O Salus é uma plataforma digital de vigilância epidemiológica que realiza o monitoramento com base no processamento e na curadoria dos dados da base do e-SUS VE, possibilitando a consulta de maneira integrada por profissionais da rede pública de saúde sobre informações de pacientes diagnosticados com sífilis. Com acesso integrado e unificado de informações, direciona o manejo correto com celeridade no atendimento e acompanhamento do paciente.
O Salus incorpora no SUS a chave para a eliminação da transmissão vertical da sífilis (quando a mulher gestante transmite a sífilis para o seu filho) com o monitoramento baseado na gestão dos casos em tempo real deste agravo – algo fundamental para que o Brasil consiga eliminar a sífilis congênita, de acordo com os parâmetros estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
O sistema Salus consegue resolver um dos principais problemas de gestão em saúde, usando um modelo baseado em níveis de atenção, estabelecendo uma ponte de comunicação entre a Atenção Primária e a Vigilância em Saúde – ele integra essas duas áreas, que muitas vezes atuam de forma dicotômica. Assim, possibilita o acesso a dados de interesse da Atenção Primária que são gerados pela Vigilância, como boletins epidemiológicos 100% configuráveis e em tempo real. Com isso, o gestor público tem uma visão global da situação de saúde do seu estado ou município no tocante aos cenários epidemiológicos, de forma on-line e sem atraso nas informações, aspecto necessário para tomadas de decisões mais efetivas e oportunas.
A eficácia da ferramenta, comprovada na prática, agora foi chancelada pela publicação de um artigo científico, A Digital Health Solution Tool for Managing Syphilis Cases in Brazil — A Comparative analysis (“Plataforma Salus: uma ferramenta de solução de saúde digital para gerenciamento de casos de sífilis no Brasil – uma análise comparativa”), feita na International Journal of Environmental Research and Public Health.
“Por meio do Salus, fazemos o monitoramento dos exames de pré-natal, sífilis e HIV. A plataforma também foi importante durante a pandemia, com uma maior transparência quanto aos casos de covid-19 em todas as regiões do país”, explicou o diretor executivo do LAIS, Ricardo Valentim.
Utilizar o Salus durante a pandemia de covid-19 foi importante para que os municípios pudessem conhecer melhor a tecnologia e também para que pudessem participar do processo desenvolvimento. Sem isso, teria sido muito difícil mobilizá-los para utilizar algo sobre sífilis quando a pandemia consumia muitos recursos da saúde pública no Brasil.
Tanto a plataforma Salus como o multiteste chamaram a atenção dos representantes do Ministério da Saúde, que demonstraram interesse em fortalecer as experiências em todo o Brasil.
Educação e Comunicação como base da transformação
Estruturado em eixos de trabalho, o Projeto “Sífilis Não” ressignificou a Comunicação como ferramenta de Educação e mudança de comportamento entre a população em geral. Esses dois eixos são responsáveis por grande parte das pesquisas realizadas nos mestrados e doutorados, provenientes das cooperações internacionais, assim como de ações práticas, envolvendo estratégias em todo o território brasileiro. As atividades de pesquisa do Projeto “Sífilis Não” no campo da Educação e da Comunicação foram efetivamente ferramentas de indução e intervenção de saúde pública de cobertura universal. Por isso, alcançaram todo o território nacional.
Entre as ações específicas da Comunicação estão cinco grandes campanhas publicitárias, envolvendo veículos de comunicação, como TVs e rádios, além das redes sociais e produção de conteúdo jornalístico. Tudo direcionado ao alerta de testagem, tratamento e cura da sífilis. Somente com as peças direcionadas para TVs, foram mais de 16 milhões de pessoas alcançadas. No caso da sífilis, foi a primeira vez em 35 anos de existência do SUS que o Brasil desenvolveu algo dessa forma para este agravo específico – antes, o mote principal era sempre o HIV.
Muito da produção audiovisual também compôs os recursos educacionais abertos (REA) que estão disponíveis nas trilhas formativas do “Sífilis Não”. Já são contabilizados mais de 145 mil estudantes matriculados e 208 mil certificados emitidos nos módulos sobre sífilis disponíveis no Ambiente de Aprendizagem Virtual do Sistema Único de Saúde (AVASUS). Destaque para a trilha formativa direcionada a pessoas privadas de liberdade, resultado de uma pesquisa de doutorado produzida em cooperação com a Universidade de Coimbra.
Muitas publicações científicas chancelaram as pesquisas realizadas no campo da Educação e da Comunicação, reafirmando a qualidade dos resultados das intervenções de saúde pública realizadas pelo projeto. Dentre elas, está o artigo Use of interrupted time series analysis in understanding the course of the congenital syphilis epidemic in Brazil (“Uso da análise de séries temporais interrompidas na compreensão do curso da epidemia de sífilis congênita no Brasil”), publicado na Revista The Lancet Regional Health Americas, que destaca o impacto do projeto na resposta à epidemia de sífilis no Brasil.
Esse é um ponto que destaca o “Sífilis Não” com uma ferramenta importante de indução da política pública nacional de resposta à sífilis no país. “Não se trata somente de uma pesquisa científica que publicou artigos, mas de um Projeto de Desenvolvimento Científico e Tecnológico que atuou em um problema de saúde pública do SUS”, ressaltou Valentim.
O diretor do LAIS ainda enfatizou que as publicações são análises resultantes das intervenções realizadas, e não o contrário. “Trata-se de algo singular aplicado e desenvolvido integralmente nos problemas do mundo real, aspecto que torna esse tipo de pesquisa muito mais complexa e desafiadora, pois as variáveis não são controladas. Eram os problemas e as respostas que precisavam ser construídas durante a execução do projeto frente à epidemia de sífilis do Brasil”, finalizou.
Veja alguns números do Projeto “Sífilis Não”: