Por Gabriel Mascena – Assessoria de Comunicação do LAIS/UFRN (ASCOM/LAIS)

“O SUS é lindo, não por causa de sua figura, mas por sua história”. Essa foi uma das falas de Vanice Valle, doutora, professora permanente no Programa de Pós-Graduação em Direitos e Políticas da Universidade Federal de Goiás (UFG), durante sua palestra “Judicialização da saúde e das relações sociais: emancipação ou interdição da cidadania?”, ministrada no Seminário “A Judicialização no Brasil: Os Seus Impactos na Democracia”.

Para falar especificamente sobre a judicialização da saúde e seus impactos na sociedade e no Sistema Único de Saúde (SUS), Vanice Valle iniciou sua apresentação traçando uma trajetória de evolução dos direitos fundamentais na constituição. Antes inexistentes, a professora destacou que debates sobre judicialização da saúde ganharam visibilidade a partir do processo de maturidade da Constituição de 1988, com novas visões de mundo que se alinharam com a concretização dos direitos fundamentais. Ainda assim, o conceito de judicialização da saúde precisa, atualmente, de uma revisão conceitual. “Judicialização da saúde não significa dizer que o SUS e o direito fundamental à saúde estão sendo negados; a questão é que há divergências em relação ao que o direito fundamental à saúde possa garantir para nós”, enfatizou.

Vanice também trouxe à tona causas que pressionam o quadro do sistema da judicialização. Entre elas, estão a ampliação do conceito de saúde, que considera hoje em dia uma visão integral do ser humano, expressando outros aspectos além de patologias, como também a ampliação das alternativas técnicas, com o surgimento de novas e diferentes demandas para além das alternativas propostas no âmbito da saúde, e o avanço tecnológico de ferramentas associadas ao ambiente hospitalar. Esses são elementos mais visíveis, que coexistem com outros tópicos que também geram uma pressão no quadro de judicialização.

Para otimizar e resolver essas questões, a pesquisadora defende uma revisão na análise crítica sobre o SUS. “O pressuposto é a compreensão do que seja o direito à saúde, porque ele existe para materializar isso”, refletiu. “Esse debate, por causa dos elementos de pressão, precisa ser resgatado. O que nós queremos? Devemos oferecer a todos? Ou a todos devemos oferecer tudo? Precisamos revisitar esse debate a partir dos problemas que a gente já tem”. Além de uma revisão no SUS, Vanice também destacou a importância de reformular a perspectiva do judiciário. Ela cita questões como coletivizar com a sociedade e estabelecer o enriquecimento e intercâmbio das informações até então restritas às instituições jurídicas, analisar o impacto nas determinações feitas para o SUS, além de rever o viés de intervenção jurídica, que não deve ser substitutivo, mas sim mediador, informador e indutor.

De acordo com Vanice, sua palestra e o evento representam um trabalho de convencimento. “Essas mudanças não vão acontecer em um ano ou dois; a gente trabalha todos os dias, mas sobre a inspiração dos bons resultados que a gente tem”, explicou. Relatando experiências e defendendo o reconhecimento ao valor do SUS, a professora finaliza: “O SUS é lindo, não por causa de sua figura, mas por causa de sua história”.

Mesa de debate: Judicialização da saúde e das relações sociais

Para ampliar a discussão proposta na palestra da professora Vanice Valle, foram convidados Ludmila Andrade, diretora do Departamento de Gestão das Demandas em Judicialização na Saúde (DJUD), vinculado à Secretaria Executiva do Ministério da Saúde e Iara Pinheiro, promotora de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, coordenadora das Promotorias da Saúde (47ª, 48ª e 62ª) de Natal/RN. Para mediar o debate, esteve presente o pesquisador do LAIS/UFRN, Flávio Carneiro, que é membro da Rede de Pesquisa em Direito e Políticas Públicas (Rede DPP) e da Comissão de Políticas Públicas do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA).

Cada convidada expôs a realidade vivida em cada uma de suas instituições, trazendo para o debate a realidade presente em cada órgão e possíveis reflexões de mudança para o sistema judiciário, na perspectiva do direito à saúde. “Nós éramos uma instituição puramente repressiva. A principal mudança para o Ministério Público foi a defesa dos direitos fundamentais e acolhida dos direitos sociais e econômicos no capítulo dos direitos fundamentais”, explicou a promotora de Justiça em sua fala.

A representante do Ministério da Saúde, por sua vez, destacou a necessidade dos profissionais em pensar o SUS enquanto cidadãos, antes de falar como operadores do direito. “Muitos de nós não compreendemos a magnitude do SUS, o que ele realmente significa, e muitas vezes acreditamos que ele se restringe exclusivamente ao que é discussão do que é atendimento hospitalar, médicos e insumos, mas ele vai muito além dessa discussão”, disse Ludmila Andrade. Sobre o processo de judicialização, a diretora do /DJUD/SE/MS reforça a importância da cooperação entre os poderes executivo e judiciário, além de uma alocação consciente de recursos, para a garantia do direito à saúde em prol da população. “Eu entendo que a judicialização tem duas vertentes. Ela pode ser, sim, um instrumento de exercício da democracia, mas também um exercício de qualificação do SUS na garantia de direitos sociais e também de promoção da justiça social”, finalizou.

Sobre o evento
O seminário “A Judicialização no Brasil: Os Seus Impactos na Democracia” é um evento promovido pelo Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde (LAIS/UFRN), em parceria com Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RN), por meio da Escola Superior de Advocacia (ESA) da OAB/RN. O evento contou com diversas palestras e mesas de debate para refletir caminhos sobre a judicialização na área da saúde. As apresentações foram transmitidas ao vivo e podem ser acessadas pelo canal do LAIS/UFRN no YouTube.