Por Thays Teixeira
“Não é justo que pessoas fiquem na fila, na fila da morte, enquanto o setor privado desmobiliza e fecha leitos”. A posição do infectologista e professor da UFRN, Ion Andrade revela uma fase da pandemia de Covid-19 que já se percebe no Rio Grande do Norte. O setor privado começa a desmobilizar e fechar leitos específicos para a Covid-19, enquanto a saúde pública acumula uma lista de espera, especialmente em leitos clínicos, aqueles que não são destinados para tratamentos semi-intensivo e de terapia intensiva.
O profissional é categórico ao apontar o problema e destaca que uma ação antecipada da gestão pública pode solucionar essa questão, que é vital para salvar vidas. Andrade mais do que indicar essa realidade, também aponta uma solução que pode melhorar a regulação dos leitos e consequentemente reduzir a fila de espera.
“O que estamos propondo é que a autoridade sanitária [Secretaria Estadual de Saúde Pública – Sesap] emita uma portaria na qual os leitos privados só possam ser fechados ou desmobilizados mediante a autorização”, explica o infectologista. Sob essa perspectiva, na medida em que esses leitos não estejam autorizados a serem desmobilizados em função das filas nos hospitais, o setor privado terá interesse de disponibilizar para o SUS para que não estejam ociosos.
“A autoridade sanitária pode fazer isso e não prejudicaria ninguém porque a proposta é de que os leitos sejam contratados pelos mesmos valores que o setor privado já vem praticando com operadoras privadas [planos de saúde] para que eles possam ser sustentáveis durante a epidemia”, reitera.
Ion Andrade apresentou uma carta aberta ao Conselho Estadual da Saúde no último sábado (27 de junho) onde solicita que a entidade considere essa proposta e que a fila de espera de leitos, especialmente de clínicos, não se amplie, quando o setor privado possui infraestrutura para receber pacientes derivados do Sistema Único de Saúde.
No dia 22 de junho, o sistema de regulação da Sesap chegou a receber 138 solicitações de leitos em um único dia. Este número apresentou queda nos últimos dias. No domingo (28), as UPAs e hospitais do interior solicitaram 82 leitos e nesta segunda-feira (29), o número de solicitações era de 30 até as 13h.
Ainda com a diminuição da fila, o argumento de Ion Andrade segue a lógica de que é preciso uma antecipação de cenários. “Muitos países e estados estão tendo repiques da epidemia depois de tentativas de volta à normalidade. Portanto, a desmobilização dos leitos não é recomendável porque a gente não sabe para onde as coisas irão na medida em que os indicadores de saúde se mostrem capazes de sustentar uma volta à normalidade”, argumenta o infectologista, destacando que a solução simplificada passa pela proposta que apresenta, ademais de cautela.
Regulação de leitos em municípios
Outra questão apontada pelo infectologista está na limitação de leitos que vem sendo feita por alguns municípios do estado. “Há municípios que estão restringindo a regulação de leitos para pacientes que não são seus munícipes. Se o paciente não é habitante e o único leito que tem disponível está localizado nesse município há uma não identificação real de vaga”, comenta. Isso quer dizer que existe uma vaga, mas que ela não está disponível para a lista de espera. Para Ion é também necessário que a autoridade sanitária atente para essa realidade e alerta que um dos princípios básicos do SUS é a universalidade (acesso universal ao atendimento).
Na perspectiva defendida pelo infectologista da UFRN, tanto os leitos do setor privado quanto essa limitação que está sendo feita em alguns municípios precisa ser solucionada pela autoridade sanitária e que esses leitos, sejam destinados aos pacientes que estão na fila de espera. “É bom a gente entender que o indicador que fala de demanda abaixo dos 80% dos leitos de UTI pressupõe que os leitos clínicos foram resolvidos”, finaliza.